É com muita
endorfina no sangue que começo esse post. Depois de um tempo sem escrever, eis
que me peguei refletindo sobre algumas incoerências do nosso tão amado
cotidiano. Aos quase trinta, depois de uma vida inteira fugindo de atividades
físicas de qualquer natureza, decidi começar a malhar! Levantar peso, passar
uns bons minutos em esteiras e bicicletas ao som de insuportáveis e estridentes
músicas pop – em suas piores versões remixadas, exibicionismos, diálogos
resumidos a “força, fé, foco” e “Deus no comando”, controle sobre o que e o
quanto se come, muitas frases de auto-ajuda, etc me fizeram tornar um cara
fútil, de performance egocentrada e narcisista! Será?
Embora esse texto
se aplique a vários aspectos da minha vida, gostaria de fazer o recorte
exclusivamente para o universo LGBT (ou seria GGGG?)*. Em minhas atividades
cotidianas, sinto olhares de aprovação quando apareço com alguns quilos a menos
e certo desdém por algumas pessoas (algumas magras, inclusive) quando digo que
entrei na academia. Em aplicativos de pegação, aquele mar de mamilos e abdomes
sarados, cansei de ser ignorado por caras que colocam em sua descrição que
procuram por educação e um bom papo. Além desses elementos, há uma cultura
generalizada de que marombeiros são fúteis. O engraçado é que, como foi bem colocado por
Fabrício Longo em seu texto “Querido gay bonito, para que tá feio”, é esse tipo de
sujeito fútil que temos endeusado na pornografia, nos aplicativos, nas redes sociais,
etc. Ora, que tipo de práticas temos reproduzido? Somos sedentos por educação e
bom papo, desde que eles sejam acompanhados de uma barriga de um tanquinho que
foi obtida “naturalmente” (já que esforçar-se por ele em academias é fútil)? É
refletindo sobre essa hipocrisia que pretendo desenvolver esse pequeno
desabafo.
Fiquei tristemente
surpreso quando soube que um amigo que cultivava há um tempo um lindo cabelo
crespo precisou cortá-lo por dificuldades para arrumar um trampo. Por mais que
se tenha um movimento de auto-aceitação crescente sobre a nossa negritude, às
vezes o nosso empoderamento é boicotado por um sistema que ainda é racista.
Numa situação similar, por mais que eu esteja bem resolvido com o meu
sobrepeso, e, nesse sentido, quero deixar evidente que não tenho pretensão
alguma de deixar de ser gordo, a cobrança anti-sedentarismo quando se é gordo
beira o insuportável. Já li vários relatos de pessoas que andam com exames
dentro de bolsos e bolsas para rebater o constrangimento causado por uma
gordofobia disfarçada de “preocupação com a saúde”. Acho válido destacar também
que um dos motivos pelos quais sempre evitei atividades físicas foi o total
sentimento de inadequação por ser corpulento demais para acompanhar o ritmo
frenético das competições escolares (porque não, não se tratavam de espaços
recreativos, mas de formações de mini-atletas a duras penas). Dessa forma
retrocedi tanto que acabei me acostumando à condição de gordo, sedentário e que
“pelo menos” joga bem alguns games eletrônicos.
A opção de, agora,
me dedicar aos exercícios físicos se deu muito mais por uma questão de saúde
(em seu conceito amplo), pois tem me ajudado a lidar melhor com a minha
ansiedade; com uma dorzinha chata na coluna que era bem frequente, pois passo
longas horas do dia escrevendo e lendo; além de ter ajudado no meu humor e me
fazer sentir bem comigo mesmo. É engraçado como, na era das certezas
compartilhadas na internet, determinadas situações passam a ser universalizantes
e não se tem preocupação alguma em fazer recortes específicos: se abusa das academias e selfies, é narcisista. Nessa lógica, há algum tempo
adotei a postura de evitar dar “likes” nas redes sociais em selfies
triviais (entendendo triviais como: uma selfie que evidencia apenas a pessoa
sem apresentar nada de novo como um corte de cabelo, um lugar ou atividade
bacana, etc) daqueles gays que se enquadram no padrão hegemônico de beleza, pois não
acho pedagógico reafirmar essa posição. Desde pequenos eles têm a certeza de
que são belos e reafirmar isso, em minha modesta análise, traz consequências
desastrosas pro nosso universo: um ego inflado que esmaga os desviantes.
Força, fé, foco! =D |
Ironicamente, já
fui chamado de narcisista por postar as
tais selfies triviais do tipo "partiu academia"; “começando os trabalhos”; “estou com preguiça”,
etc. Encarar essas situações (e sujeitos) como equivalentes é no mínimo
desonesto. Ora, se isso é ser narcisista, acho que me perdi nos conceitos. O
que algumas pessoas enxergam como narcisismo, enxergo como uma ação afirmativa
a nível individual. Não é à toa que páginas como Preta e Gorda, Bicha Nagô, PretoGay; a conta no instagram Negros e Lindos; além de diversos tumblrs têm obtido
algum êxito ao atingir diversos seguidores que se sentem atraídos e
representados por esses espaços (além de eles mesmos serem modelos por vezes). Criar
espaços alternativos numa rede hegemonizada pela ditadura branca e magra não é
narcisismo, mas a afirmação da nossa beleza, não importando quais formas ela
adquire.
Diante disso, temos
um cenário ditado por brancos e magros que nos cobram a execução atividades físicas e, se, a duras penas, as fazemos, nos hostilizam.
Tenho, então, um breve aviso a dar: não tenho pretensão alguma de desvalorizar
as minhas curvas, elas são parte de mim e eu as amo. Quero apenas modelá-las de uma forma que me agradem mais (meu
corpo minhas regras e talz hehehe). Isso reforça a minha certeza de que sou
lindo e fabuloso embora exista um padrão estético tentando me convencer do
contrário.
#pretoegordo
*Em breve um texto
mais elaborado sobre a questão estética e a militância
2 comentários:
Miga, você é lindo e maravilhoso e não ser padrão só "aumenta os pontos". A gente recebe mares de cultura hegemônica na face diariamente e às vezes é difícil fugir da tristeza da inadequação, seja por nossa estética, nosso lugar social, poder aquisitivo, nossos gostos peculiares ou incompreendidos. É um exercício diário se livrar dessa pressão e, por diversos motivos, pra certas pessoas mais do que para outras. Não te elogiei aqui para puxar o saco ou apenas por amizade, mas por sincera admiração. Creio que nesse contexto horrível em que vivemos é estar perto de pessoas como você que me lembra o que eu quero pra mim. Talvez o ponto seja esse, pensar sempre em quem escolhemos a nossa volta. Obrigada.
O teu texto é, sem nenhum exagero meu, fantástico!Ideias bem colocadas, defendendo, do início ao fim, um ponto de vista. Parabéns!
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