sábado, 2 de maio de 2015

Preto, gordo e socialista x Indústria pornô gay

Sobre a representatividade...

Gostaria de reativar o blog lançando esta reflexão.

Após longos anos sendo construído nas bases da indústria pornô, gostaria de problematizar o (não) empoderamento sobre o próprio corpo e a relação com essa indústria. Existem vários pontos e acredito que essa discussão seja quase inesgotável, mas vou elencar quatro, os quais julgo que foram centrais na minha decisão:

1- Preto e gordo.


Como preto e gordo, nunca me vi representado positivamente no pornô. É como se os meus semelhantes basicamente fossem invisíveis ou simplesmente sua sexualidade não é comercial o suficiente pra ser retratada de maneira positiva. O que nos resta é uma mera cota em sessões amadoras, geralmente isentas de qualidade e lá, ainda assim, estaremos sujeitos a todo tipo de insulto e constrangimento, já que a categoria "amador" não trata de um estereótipo específico. Aliás, não consigo ver como positivo também o fato de existirem "categorias", afinal, na minha humilde opinião, sexo deveria ser só sexo.


Acho, inclusive, sintomático que exista uma categoria chamada "gays", outra "twinks" e outra "negros" (sem falar na categoria "brasileiros"); ora... a premissa então é a de que não existem "twinks negros"? Seriam os gays todos brancos, magros e masculinizados? Infelizmente a resposta é sim. A indústria pornô gay via de regra privilegia o gay higienizado, ou seja, branco, sarado e masculinizado (raras são as histórias em que os protagonistas não seguem essa regra).

O desviante disso tudo, então, passa a ser "diferente", logo preterido ou fetichizado. Basta atentar para a maneira como não brancos são retratados. Façamos o exercício de pensar em quantos vídeos interraciais, por exemplo, os negros foram passivos; o reflexo no colonialismo tende a reduzir o negro a um pau grande e sempre nos coloca em condição animalesca, obrigatoriamente pauzudos e prontos pra servir o senhor branco. Caso, raramente, seja encontrado um negro passivo numa relação interracial, certamente não estará isenta da lógica colonialista que legitima o abuso. Falei dos negros por mera identificação, mas também caberiam os asiáticos, os latinos, etc.

Por fim, sendo preto e gordo, estou à margem até mesmo da fetichização, me sendo designado o preterimento. Não sou o "fofinho" (chubby) por ser preto e não sou o "pauzudo" por ser gordo. Mas, embora minha condição de transante raramente seja retratada, cá estou eu transando (e muito bem, obrigado) e vendo em cada transa um motivo pra me empoderar, me orgulhar e achar que até a minha foda (que se dá num aspecto privado) ganha uma conotação política por ser contra-hegemônica. Ir me desvinculando aos poucos da indústria pornô tem me tornado muito mais seguro sobre o meu corpo e até mesmo as minhas relações.

2- Sou contra a misoginia e o cis-sexismo

Começarei este tópico abordando os meninos efeminados, que são retratados no pornô de maneira no mínimo vergonhosa. Me parece que essa indústria (intencionalmente) ainda não entendeu que ser efeminado não significa ser passivo e que ser passivo não significa ser submisso. Esse tipo de representação é de uma violência simbólica (ao feminino como um todo) que me dá uma profunda ojeriza. Ora, não estou aqui, de forma alguma criticando os amantes das práticas como sadomasoquismo, bondage, etc. Tampouco quero pagar de moralista e defender aqui a transa romântica como única forma possível (embora seja a minha favorita, pois de fato não sou do sexo casual). Não posso deixar de problematizar, no entanto, a questão de essas indústrias alegarem que os atos ali registrados são consensuais. Existe consenso no capitalismo? Será que os atores efeminados, ao atuarem exclusivamente como passivos e submissos não estão sofrendo nenhum tipo de coerção simbólica? Reafirmo que esse tipo de representação não tem nada de empoderador. Enfatizo ainda que não é desse tipo de visibilidade que a nossa categoria (gays como um todo) precisa.

Ainda sobre a misoginia, a maneira como as mulheres (obviamente cis, já que o espaço destinado para mulheres trans e travestis está ainda mais marginalizado; homens trans menos ainda) são retratadas nos vídeos bissexuais (voltados claramente para o público masculino) é lamentável. Pelo menos em quase todos que assisti, elas são meros objetos que servem para apimentar a relação de dois caras. Elas não gozam, não têm autonomia sobre o seu corpo e, de quebra, frequentemente sofrem violência física e verbal.

Muito me admira que a categoria "trans/travestis" seja vinculada ao público gay. Partiremos da premissa de que homens que se atraem por essas mulheres são gays? Sobre a abordagem dessas categorias no pornô: nada de novo no front. Lembro-me de um trailer que mostrava essas pessoas (sobretudo as não operadas) como "elas e eles ao mesmo tempo". Ora, a fetichização da ambiguidade relacionada à identidade de gênero é no mínimo um desserviço para toda a categoria LGBT.

3- Acredito numa sociedade sem classes

Seria desonesto omitir o papel revolucionário que a pornografia gay cumpriu. Se é verdade que o jargão "sexo anal derruba o capital" fez sentido nos anos 70, pois nessa época o homoerotismo e o movimento não apresentavam distinções muito claras; também é verdade que o capitalismo tem a capacidade de se apropriar de inúmeras bandeiras e, dessa maneira, temos bandeiras de luta transformadas em mercadorias (8 de março, a pauta negra, etc) e não seria diferente com o mercado GLS.

Sei que a punhetinha num site de putaria pode parecer inocente, mas isso custa a exploração de diversas pessoas que são submetidas a condições desumanas pra realização de uma fantasia que acreditamos ser inata e natural. Os passivos do pornô são submetidos a um jejum de 24 horas pra evitar o "cheque". Há casos e casos de atrizes cujo ânus literalmente despencou devido às condições violentas a que são submetidas. Se por um lado os atores sofrem esse tipo de violência e, como disse anteriormente, tenho minhas ressalvas quanto à questão de ser consensual, as empresas lucram, e muito! Elas lucram pra ditar qual deve ser o padrão da nossa foda e nos levam a uma frustração eterna, pois poucos de nós conseguiremos alcançar corpos definidos, paus enormes, uma ejaculação que pode ser medida em litros, etc... Conseguem perceber um ciclo nisso? A insatisfação pode otimizar o consumo da pornografia, pois nos afasta do sexo real (não idealizado).

Se no início o pornô gay incitava a emancipação homossexual, hoje ele nos subjuga e nos joga no esquema capitalista, transformando o nosso desejo em mercadoria.

4- Prefiro o sexo real

Não quero com esse último ponto reforçar algo que nos parece óbvio. Via de regra, recorremos ao pornô quando estamos sem perspectiva de sexo real e etc. Não é sobre isso que estou discutindo.
O que chamo de sexo real é o sexo com pessoas reais, aquelas que apresentam odores, pau e/ou seios pequenos, que gozam rápido demais ou que demoram séculos, que passam cheque, que reviram os olhos, respiram de maneira ofegante e que até gemem ou fazem escândalos pq chegaram num ápice insuportável de prazer (não porque tem um diretor mandando gemer o mais alto possível pra tentar nos convencer de que tá rolando um prazer real).
Acredito num sexo que consegue ir para além da penetração, que considera que o corpo é uma festa, um sexo consensual que não segue script. Acredito no sexo em sua essência, aquela atividade humana que pode ter uma conotação política se contra-hegemônica. O sexo heteronormativo e higienizado da indústria pornô é a imposição de um sistema político.

Por fim, acredito no sexo sem poder e sem pudor!
Por mais que essas indústrias tentem provar o contrário,
somos todos deliciosxs!

#pretoegordo

3 comentários:

Unknown disse...

Muito bom!! Você escreve muito bem ;)
Concluo que preciso ser mais real,me permitir mais e me libertar \o/
#orgulhodessepretogordo

Unknown disse...

Gente??? Tem botão "arrasou viado"?

Pablo G.T disse...

Excelente e empoderador texto.
Fez da Internet uma sapucaí e sambou lindamente.
Parabéns.